A popularidade das redes sociais cresceu exponencialmente nos últimos anos, e o TikTok em particular conquistou milhões de usuários ao redor do mundo com seu formato de vídeos rápidos e envolventes. Embora a plataforma seja conhecida por seu conteúdo humorístico e entretenimento, ela também se tornou mais um espaço para troca de informação e conhecimento. Ao mesmo tempo, como tantas outras redes sociais, tornou-se um terreno fértil para a disseminação de informações falsas, inclusive quando se trata de saúde. É o que indica um estudo conduzido por cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, que revelou que os usuários do TikTok estão expostos a um grande volume de desinformação médica. Conforme a pesquisa – apresentada neste mês, na conferência médica Digestive Disease Week, realizada em Chicago, também nos EUA –, aproximadamente 4 em cada 10 postagens sobre saúde na plataforma continham informações incorretas.
A investigação se concentrou especificamente nas buscas relacionadas a doenças hepáticas, monitorando vídeos que utilizavam as palavras-chave “cirrose” e “doença hepática”. Os pesquisadores avaliaram informações de milhares de conteúdos postados entre outubro e novembro de 2022, que foram comparadas com as práticas médicas estabelecidas e endossadas por instituições respeitadas. Os resultados foram alarmantes: de 2.223 postagens identificadas, 883, o que corresponde a quase 40% do total, continham informações incorretas. A boa notícia é que, apesar da enxurrada de informações ruins, os vídeos com conteúdos precisos tiveram maior alcance e engajamento na rede social. Em média, as postagens que desinformavam geraram 1.671 curtidas e 140 compartilhamentos, contra 14.463 curtidas e 364 compartilhamentos dos posts com dados corretos.
Essa disseminação de conselhos médicos incorretos pode gerar consequências graves para a saúde das pessoas que confiam nessas informações. Em primeiro lugar, a desinformação pode levar as pessoas a adotar práticas prejudiciais ou ineficazes, ignorando tratamentos médicos adequados. Isso pode agravar condições de saúde existentes ou levar a complicações adicionais. “A internet está cheia de crendices. Já vi vídeos orientando pessoas a pingar suco de limão nos olhos para prevenir a catarata, o que é falso. Outros indicando salmoura de arruda para queimadura solar nos olhos, algo que também não é indicado”, cita o oftalmologista Tiago César Pereira Ferreira.
A psicanalista Cínthia Demaria também acompanha com apreensão esse movimento de busca de conselhos médicos nas redes sociais. “Já atendi casos, sobretudo entre adolescentes, de indivíduos que se identificaram tanto com outros na internet que aram a acreditar ter as mesmas condições de saúde que eles”, situa, apontando que algumas pessoas chegam a emular um conjunto sintomatológico depois de pesquisar sobre certo diagnóstico.
Além disso, a desinformação pode criar um ambiente de confusão e incerteza, no qual os usuários não sabem em quem confiar. A credibilidade de profissionais de saúde qualificados pode ser questionada, e a população pode ficar mais suscetível a teorias da conspiração e pseudociências. Isso mina a confiança no conhecimento médico e científico estabelecido, fundamentado em pesquisas rigorosas e evidências científicas. Como consequência desse movimento, o trabalho dos especialistas acaba, muitas vezes, parecendo vir pelo caminho inverso: em vez de atribuir um diagnóstico, eles precisam desconstruir as convicções do paciente, que se autoatribuiu certa condição de saúde a partir da pesquisa sobre um sintoma específico.
Mais pesquisas
O crescente uso das redes sociais para a obtenção de conselhos médicos tem sido alvo de preocupação de especialistas em todo o mundo. Não por outro motivo, diversas pesquisas vêm sendo feitas visando melhor compreender o fenômeno. É o caso de um estudo, divulgado em dezembro do ano ado, que ouviu 2.000 pessoas nos Estados Unidos, constatando que, considerando a população em geral, um em cada cinco recorre ao TikTok para ter conselhos sobre saúde antes de consultar um profissional. A mesma proporção diz confiar mais em influenciadores do que em profissionais de suas comunidades.
Antes disso, outra investigação científica realizada por pesquisadores ligados à Universidade de Vermont, nos EUA, já apontava para a profusão de informações incorretas que circulam na plataforma de vídeos curtos. Segundo o levantamento, o TikTok é um vetor de disseminação de dietas pouco saudáveis entre jovens de diversos países. Para chegar a essa conclusão, os cientistas analisaram mil vídeos associados aos tópicos “fitness” e “comida” que mais tiveram visualizações e constataram que, embora falsa, a mensagem de que o peso é o melhor indicativo sobre a saúde de alguém é predominante na rede social.
O que fazer
Diante desse cenário, especialistas e autoridades de saúde defendem ser fundamental tomar medidas para combater a disseminação de informações falsas nas redes sociais. “A desinformação coloca a saúde e as vidas em risco, além de minar a confiança na ciência, nas instituições e nos sistemas de saúde”, alertou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), durante um webinar realizado em 2020, à margem da 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), para chamar a atenção sobre “os danos causados pela disseminação de desinformação deliberada” sobre a pandemia da Covid-19.
Na avaliação do oftalmologista Tiago César Pereira Ferreira, os profissionais de saúde têm um papel fundamental a desempenhar na luta contra a desinformação. Ele próprio, aliás, é adepto do uso de redes sociais para a transmissão de conhecimento científico e defende ser importante que mais pessoas credenciadas se envolvam ativamente nessas mídias, compartilhando informações precisas e respondendo a perguntas dos usuários. Ao estabelecer sua presença online, argumenta, os especialistas podem se tornar fontes confiáveis de informações, ajudando a combater a propagação de informações falsas e fornecendo orientação confiável.
Saúde pública
De um ponto de vista mais coletivo, pesquisadores e autoridades públicas vêm defendendo que as plataformas de mídia social intensifiquem seus esforços para moderar e filtrar conteúdo enganoso, removendo informações médicas falsas. Além disso, reforçam ser crucial promover programas de educação em saúde e de alfabetização digital, uma vez que muitas pessoas podem não ter conhecimento suficiente para distinguir informações confiáveis de informações falsas, colocando-se potencialmente em risco.
A psicóloga Cristiane Nogueira concorda. Para ela, programas de conscientização e campanhas educacionais amplas podem capacitar a população a tomar decisões seguras em meio à profusão de desinformação online.
Nesse sentido, vale dizer que a responsabilidade também recai sobre os próprios usuários, sendo importante que as pessoas se empenhem em aprender sobre o funcionamento das redes sociais e, desenvolvendo senso crítico, se habituem a checar a credibilidade das fontes antes de acreditar e compartilhar informações relacionadas à saúde, priorizando a busca de informações em fontes confiáveis, como organizações de saúde, profissionais médicos e instituições acadêmicas.
Minientrevista
Tiago César Pereira Ferreira, oftalmologista, filiado às academias Brasileira, Americana e Europeia de Oftalmologia.
1. A busca de informações sobre saúde nas redes sociais é uma realidade e mudou a dinâmica da relação entre paciente e profissionais da saúde. Quando essa busca por informações pode ser boa? A busca de informações sobre saúde nas redes sociais pode ser benéfica quando as pessoas encontram conteúdo confiável e embasado cientificamente. Nesse sentido, as redes sociais têm o potencial de fornecer o rápido a informações relevantes sobre sintomas, diagnósticos, tratamentos e prevenção de doenças. Além disso, elas permitem que os pacientes se envolvam ativamente em suas próprias jornadas de saúde.
2. Por outro lado, como as desinformações encontradas nas redes podem ser nocivas para o tratamento de saúde? A desinformação encontrada nas redes sociais pode ser extremamente prejudicial. Muitas vezes, essas informações não são baseadas em evidências científicas sólidas ou em conhecimento clínico de profissional devidamente capacitado e podem levar as pessoas a tomar decisões erradas ou adotar tratamentos ineficazes e até mesmo perigosos. A disseminação de falsas curas, teorias da conspiração e conselhos inadequados pode levar ao atraso no diagnóstico e tratamento adequados, agravando condições de saúde e colocando vidas em risco.
3. Esse ambiente de confusão causado pelas desinformações pode afetar a credibilidade dos profissionais de saúde? Quando informações incorretas são amplamente difundidas nas redes sociais, há um risco de que os pacientes em a desconfiar das orientações médicas e sejam influenciados por ideias infundadas. Isso pode prejudicar a relação médico-paciente, que se baseia na confiança e no conhecimento especializado do profissional de saúde. É essencial que os médicos estejam cientes e preparados para esse contexto de desinformação e sejam proativos em fornecer informações precisas e confiáveis, tanto nas consultas quanto nas redes sociais.